Em diferentes sistemas de ensino, as transições escolares são momentos em que as crianças e os pais estão mais vulneráveis ao estresse porque essas transições envolvem, diversos componentes de experiências com alto potencial estressante, como mudanças (de escola), perdas (por afastamento dos amigos da escola anterior), pressão (por desempenho) e imprevisibilidade (pela quebra na rotina).
Desta maneira, o que importa para o comportamento e o desenvolvimento é o ambiente conforme ele é percebido e não conforme ele poderia existir na realidade “objetiva”, admitimos que para compreender a transição seja preciso investigar como a criança percebe esse novo microssistema e suas relações com pessoas em que ela vive e convive, como a família e o grupo de companheiros. O processo de adaptação é visto em uma perspectiva dinâmica: a criança traz para a escola um repertório prévio para lidar com os desafios da transição e esse repertório se reconstrói dia a dia no novo contexto, mediante as interações entre a criança em desenvolvimento e as propriedades mutantes do ambiente.
O que a família pode fazer pela criança
O papel da família se define em dois planos: aquilo que foi construído ao longo dos anos e o apoio no momento da transição.
O que foi construído ao longo dos anos são os recursos que a criança precisará mobilizar para encarar os desafios do novo ciclo de experiências escolares, assim como as disposições motivacionais para colocar em ação tais recursos. Trata-se na realidade de uma co-construção, que se dá desde o nascimento, por meio das interações face a face, das atividades lúdicas conjuntas, das oportunidades de manuseio de objetos e símbolos, da mediação das experiências da criança com o mundo físico e social à sua volta, enfim, por meio dos processos ao longo da primeira infância.
A criança pequena pode se beneficiar muito no contato cotidiano com adultos significativos para a construção de competências de enfrentamento do novo. Atividades como contar histórias e casos para a criança, fazer comentários sobre o mundo que a cerca, ter disposição para responder e formular perguntas, utilizar palavras que a criança conhece ou está prestes a conhecer proporcionam, todas elas, experiências relevantes para o desenvolvimento.
Compartilhamento de atividades de lazer e recreação
A participação em atividades de lazer diversificadas, compartilhadas com os pais ou outros adultos significativos, têm grande influência no desempenho escolar, por reunir alguns elementos favorecedores do desenvolvimento cognitivo e socioemocional. Famílias que se reúnem para recreação são provavelmente aquelas cujos membros sentem prazer em estarem juntos. Em momentos de lazer, os pais costumam estarem mais disponíveis para interação. De fato, o conhecimento do mundo é um fator de enriquecimento cultural, capacita a criança para a apreensão dos conteúdos escolares e contribui até mesmo para o aprendizado da leitura.
Apoio da Família no momento da transição
No momento do ingresso no ensino fundamental, algo mais é necessário. É preciso que a criança se sinta apoiada nessa aventura, pelos adultos significativos do seu microssistema familiar. Esse apoio será assegurado por meio do envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos. São exemplos de práticas parentais que promovem a ligação família-escola: o intercâmbio regular com o professor, a participação em reuniões e eventos promovidos pela escola, o acompanhamento das notas. No dia a dia, o apoio se concretiza em pequenas ações como suprir o material necessário, monitorar os horários e perguntar sobre a escola.
Estabilidade no ambiente familiar
A estabilidade do ambiente familiar é relevante em todo o percurso de vida da criança. Em períodos de transição, torna-se um fator crítico, por assegurar à criança uma base segura para enfrentar as múltiplas mudanças que estão acontecendo no seu dia a dia. Um clima emocional positivo na família se caracteriza por processos interpessoais com elevada coesão, resolução construtiva dos conflitos, ausência de hostilidade e uma relação afetiva apoiadora com a criança. Essas características favorecem o desenvolvimento, pela criança, de um senso de permanência e estabilidade de sua base afetiva.
Rotinas e rituais da família são padrões de atividade que se repetem e, por isso, nutrem na criança sentimentos de previsibilidade, controle e segurança. Reuniões regulares da família (almoçarem todos juntos aos domingos), horários definidos para algumas atividades diárias (hora de jantar e de ir para a cama), pequenas incumbências da criança (arrumar sua cama), rituais associados a determinados momentos (um infalível beijo e abraço de boa noite na hora de dormir) fazem parte de um elenco de atividades previsíveis que sinalizam algum grau de estabilidade na vida familiar.
Boas práticas educativas em casa
Tais práticas conjugam procedimentos em que os pais: (a) estabelecem regras e limites; (b) oferecem explicação clara do comportamento esperado e das consequências para a violação da regra; (c) monitoram as atividades da criança. Como isso acontece? Supomos que, quando os pais estabelecem regras regularmente, a criança compreende melhor o sistema de regras vigente na escola. Ou seja, a criança aprende que há relações previsíveis entre suas ações e as consequências delas, e tem mais facilidade para compreender os processos através dos quais os resultados na escola podem ser colocados sob seu próprio controle.
Refletindo sobre os meios de ajudar as crianças a superarem com sucesso os desafios da transição, encontram-se na família e na própria escola poderosas fontes de apoio. Cabe também a escola escolhida pelos pais contribuir efetivamente para minimizar o estresse, elevar o desempenho e promover o ajustamento da criança ao novo contexto, programando medidas de acolhimento que favoreçam uma transição tranquila. A escola tem dessa forma, a atribuição de estabelecer e manter um relacionamento cordial com a família, assim como informar os pais sobre meios de apoiar a criança no cumprimento das tarefas adaptativas da transição.
Dra. Daniela Rita de Souza
CRP-03/10945 – Psicóloga Infanto-Juvenil e Familiar da Clínica Humaninhos
Referências
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